Para juíza, ‘minirreforma’ cria trabalhadores de segunda categoria, o que é ‘um escândalo’

Valdete Souto Severo (TRT4) afirma que o texto da MP 1.045 é prejudicial aos trabalhadores, criando formas ainda mais precarizadas de contratação

Fonte: Redação RBA

Foto: Najara Araujo/Câmara dos Deputados

São Paulo – A Câmara dos Deputados deve apreciar nesta semana a Medida Provisória 1.045, que renova o programa de redução ou suspensão de jornada e salários durante a pandemia. No entanto, o relator da proposta, deputado Christino Áureo (PP-RJ), incluiu no texto a criação de dois outros programas que fragilizam ainda mais a legislação trabalhista: o Requip (Regime Especial de Trabalho Incentivado, Qualificação e Inclusão Produtiva) e o Priore (Primeira Oportunidade e Reinserção no Emprego). O pretexto é incentivar a inclusão de pessoas no mercado de trabalho. No entanto, esses novos modelos de contratação nessa minirreforma trabalhista devem ampliar a precarização, criando trabalhadores de “segunda categoria”.

“São programas muito ruins. Na verdade, é uma tentativa de retorno do projeto inicialmente batizado como carteira verde e amarela”, afirmou a juíza Valdete Souto Severo, do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região (TRT4). “Não se trata de incentivar novos postos de trabalho. Mas, sim, de criar subcategorias de trabalhadores com menos direitos. Um verdadeiro escândalo”, denunciou a magistrada, em entrevista a Glauco Faria, para o Jornal Brasil Atual, nesta segunda-feira (9).

Além desses dois programas, o relatório da MP 1.045 contém ainda mais de 400 emendas que alteram regras de contratação e demissão, restringem a fiscalização e reduzem as possibilidades de acesso à Justiça do Trabalho. São temas que nada têm a ver com a proposta original da MP, incorrendo em diversas inconstitucionalidades e vícios de origem. “É uma forma não democrática de fazer uma nova alteração profunda na legislação trabalhista, retirando direitos da classe trabalhadora”, classificou Valdete.

Requip e Priore
O Requip é voltado exclusivamente para jovens com idade entre 18 anos e 29 anos, sem registrado na carteira de trabalho há mais de dois anos e pessoas oriundas de programas federais de transferência de renda, como o Bolsa Família e o auxílio emergencial. O beneficiário receberá não um salário, mas um chamado Bônus de Inclusão Produtiva (BIP), de R$ 275, pago pelo governo. Além de uma Bolsa de Incentivo à Qualificação (BIQ), pago pela empresa no valor de R$ 275.

Já o Priore é direcionado a jovens de 18 a 29 anos, no caso de primeiro emprego com registro em carteira. E pessoas com mais de 55 anos sem vínculo formal há mais de 12 meses. Eles receberam o mesmo bônus a ser pago pelo governo e um complemento pago pela empresa para alcançar o valor de um salário mínimo. Nesse modelo de contratação, alíquota do FGTS é reduzida de 8% para 2%.

Quase escravidão
De acordo com a magistrada, com remuneração reduzida e quase nenhum direito, esses novos programas criariam um regime de contratação praticamente “análogo à escravidão”. Especialmente o Requip, voltado para jovens em situação de vulnerabilidade social, ela classifica como uma “perversão”, marcada pelo aumento da exploração. “Como sociedade, estamos dizendo que os jovens que estão numa condição de vida mais precária vão receber menos de um salário mínimo”.

Em vez de precarizar ainda mais os regimes de contratação, o governo deveria se preocupar em estimular a economia, de acordo com a magistrada. Essas mudanças repetem as mesmas práticas e lógicas da “reforma” trabalhista aplicada em 2017. Nesse sentido, os argumentos utilizados naquele momento eram que as mudanças na legislação também resultariam na criação de novos postos de trabalho. Quatro anos depois, o que se viu foi a explosão do desemprego, subemprego e informalidade.

“Não é possível que a gente siga simplesmente assistindo a essa destruição que vem sendo feita pelo Parlamento, diante do silêncio de outros poderes do Estado. O Executivo faz a proposta, manda para o Parlamento, que incha com matérias estranhas ao texto original – todas elas destrutivas para a classe trabalhadora. E o Judiciário assiste em silêncio. Não vai sobrar nada da Justiça do Trabalho, essa é a realidade”, lamentou Valdete.