Marilane Teixeira, da Unicamp, afirma que a redução de jornada traria impactos positivos para toda a sociedade, como mais qualidade de vida para os trabalhadores, além ampliar o acesso ao emprego e à renda
A luta histórica da classe trabalhadora pela redução das jornadas de trabalho sem redução de salários vem ganhado adeptos de peso e provando que é viável e lucrativa.
Empresas multinacionais decidiram humanizar o ambiente de trabalho diminuindo cargas horárias sem mexer nos salários para melhorar a qualidade de vida de seus funcionários e o resultado foi aumento da produtividade e dos lucros.
Exemplo mais recente foi uma rede de produtos para pets que adotou a semana de quatro dias de trabalho, inclusive nas filiais brasileiras. De acordo com a empresa – a Zee.Dog – a redução de jornada foi implantada para aumentar a qualidade de vida, diminuição do stress e, claro, melhorar a produtividade dos trabalhadores.
Outras empresas também adotaram medidas semelhantes como a Microsoft. De acordo reportagem da revista Exame, em 2019, a filial da gigante da informática no Japão testou um modelo de quatro dias úteis por semana e verificou um aumento de 40% no faturamento.
É a prova de que a medida, ao contrário do que pensa grande parte do empresariado brasileiro, não representa prejuízos e sim investimentos que, a médio e longo prazos, podem trazer ainda mais lucratividade.
“As experiências internacionais mostram que reduzir a jornada, ao invés de aumentar custos, aumenta a produtividade. As pessoas trabalham mais felizes, mais satisfeitas e o que se faz em 44 horas, se faz em 40 horas. O que se faz em cinco dias, se faz em quatro”. A afirmação é da economista do Centro de Estudos Sindicais e Economia do Trabalho (Cesit) da Unicamp, Marilane Teixeira.
E ela explica ainda que os resultados positivos beneficiam a sociedade como um todo, já que além de ser uma forma de reorganizar para melhor a vida social, haverá também um impacto no mercado de trabalho.
“Com jornadas menores, quem trabalha vai ter mais tempo para lazer, para os estudos, para a vida pessoal, vão aproveitar melhor o tempo, inclusive consumindo mais. A atividade econômica também melhora”, afirma a economista.
“Com mais consumo, haverá maior demanda de produção e de serviços. Com jornadas reduzidas, empresas deverão contratar mais trabalhadores. Claro que não resolve o problema do desemprego, hoje em 14,7%, já que há uma competição muito forte do mercado de trabalho com o avanço da tecnologia, mas é um caminho a ser trilhado para diminuir os níveis que temos hoje”, diz Marilane.
Porém, no Brasil, país que, de acordo com a economista, vive sob a ótica de um capitalismo arcaico, onde a retirada de direitos é o primeiro item da lista de corte de custos (que na maioria das vezes se confunde com o aumento do lucro), a redução da jornada ainda é um debate que pouco avança no mundo do trabalho.
Aqui, como regra geral da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), a jornada de trabalho é de 44 horas semanais, oito horas por dia mais um dia de repouso remunerado. É certo que ao longo da história, várias conquistas aconteceram, mas a grande maioria se deu pela ação sindical em negociações coletivas de categorias.
Assim, alguns setores como bancário, saúde, categorias da indústria química, entre outros, conseguiram jornadas menores.
“Ainda prevalece a ideia no Brasil de que qualquer direito ou benefício que possa se entender para os trabalhadores é ‘perda’ para os patrões. Como a concepção é atrasada, evidentemente, eles enxergam isso [a redução] como um ataque aos seus lucros”, diz Marilane.
Ao contrário do que pensam os empresários, reduzir e beneficiar trabalhadores é uma forma de distribuição de renda e, por consequência, diminuição da desigualdade social, que tanto na opinião de Marilane como de inúmeros economistas, é entrave para o crescimento de um país.
Exemplo claro que de que a diminuição da desigualdade alavanca o crescimento é o conjunto de políticas adotadas durante os governos dos ex-presidentes Lula e Dilma, que tiraram mais de 40 milhões de brasileiros da miséria, inserindo essas pessoas no contexto econômico do país.
A famosa frase “colocar o pobre no orçamento”, de Lula, traduz essa mecânica. Quanto mais pessoas com renda (e com trabalho), maior é o consumo. Quanto maior o consumo, maior deve ser a produção. Aumentando a produção, mais pessoas terão emprego, que vão consumir mais e assim, a roda da economia gira.
E é neste contexto que entra a redução da jornada, de acordo com Marilane.
Alguns setores do empresariado têm que sair da caixinha e pensar a sociedade como um todo e não somente nos próprios lucros. Têm que entender que certas posturas favorecem o conjunto da sociedade e da própria atividade econômica porque vai ter mais gente com renda e disposta a consumir.”
– Marilane Teixeira
Tem cacife para isso?
A economista afirma que “sim, há condições econômicas do capital para poder incorporar uma redução de jornada em seus custos, porque a rigor, os ganhos são elevados. No entanto, haverá sempre que argumentará o contrário – que não é possível. Por isso, vivemos um sistema arcaico”, pontua.
O contraponto se dá pela luta sindical, ou seja, a organização dos trabalhadores, que desde o início da história das relações de trabalho, lutaram por condições mais dignas. Também se dá pela necessária discussão política acerca do tema – pressão feita pelos próprios trabalhadores e seus representantes.
“Haverá êxito quando se tornar uma agenda política e com a sociedade tendo a consciência de que a redução não favorece só quem está trabalhando, mas amplia ao acesso ao emprego para quem não tem e movimenta a economia”, explica a economista, afirmando que o tema é central e deveria ser prioridade na agenda de lutas dos trabalhadores.
CUT na luta pela redução
“Tem trabalhadores que trabalham muitas horas, em jornadas estafantes e nós entendemos que reduzindo a jornada, conseguimos gerar mais trabalho. Há estudos feitos que apontam que reduzir, abre oportunidades para quem está desemprego conseguir um posto”, afirma o secretário de Relações do Trabalho da CUT, Ari Aloraldo do Nascimento.
O debate da redução da jornada é pauta permanente da CUT. Mesmo com a reforma Trabalhista que trouxe a flexibilização dos direitos e precarização de condições de trabalho, por meio de seus sindicatos, a Central pressiona patrões para poder proteger os trabalhadores em seus direitos.
Ari aponta, além da reforma, o avanço da tecnologia como fator de mudanças significativas no mundo do trabalho e aumento da lucratividade dos empresários.
“A gente tem dito que só quem ganha com as inovações tecnológicas é o grande capital – os banqueiros, rentistas, acionistas. O trabalhador deveria ter sua parte nesse bolo, já que a tecnologia só existe porque houve mão de obra para desenvolver, e não é isso que acontece”, diz.
Por isso, ele reforça que a redução da jornada de trabalho seria um dos meios de compensar os trabalhadores, beneficiá-los pela participação na “construção de resultados das empresas”.
Efeitos da redução, segundo o Dieese
De acordo com o estudo do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), com a redução da jornada de trabalho, sem redução dos salários, sobrariam mais horas para o trabalhador frequentar cursos de qualificação, e à medida em que o mercado de trabalho demanda cada vez mais mão de obra qualificada, mais trabalhadores teriam oportunidades de inserção.
Para as mulheres, que ainda na grande maioria, além da jornada de trabalho na empresa, cumprem uma segunda jornada no lar, cuidando da casa e dos filhos, a redução também traria grandes benefícios, inclusive permitindo que elas dedicassem um tempo à qualificação, reduzindo assim o diferencial entre gênero.
A redução da jornada de trabalho, também tornaria possível, ao trabalhador, dedicar mais tempo para o convívio familiar, o estudo, o lazer e o descanso. Esses fatores criariam um círculo virtuoso na economia, combinando a ampliação do emprego, o aumento do consumo, a elevação dos níveis da produtividade do trabalho, a redução dos acidentes e doenças do trabalho, além da elevação da arrecadação tributária, ou seja, maior crescimento econômico com melhoria da distribuição de renda.
Redução da jornada em outros países
Assim como nos exemplos citados (Microsoft e Zee.Dog), a Islândia também implantou a semana de quatro dias e pesquisadores afirmaram que os resultados foram positivos, com aumento da produtividade.
A Espanha, o partido de esquerda Más País, vem propondo testes de redução e jornada em alguns setores, com apoio do governo espanhol.
Na Nova Zelândia, a Unilever, multinacional que detém várias marcas de produtos alimentícios e de higiene e limpeza, é outro exemplo de mudanças na carga horária. A empresa reduziu em 20% as jornadas, também mantendo os salários.
Fonte: CUT